A notícia de que estava com AIDS chegou há duas semanas. Media as palavras para me contar o que ocorrera. A garganta dava um nó, mas ele seguia com sua história como quem atravessa uma ponte que balança sem olhar pra baixo. Sua altivez denunciava seu medo.
Já tinha iniciado o tratamento quando o pastor convidou todos que participavam do culto a formar duplas de oração.
Dormiam no mesmo quarto do abrigo, mas não sabiam nada da vida um do outro. Um momento de oração, mesmo para quem não tem fé, promove encontros. E a gente nunca sabe o que esperar de um encontro.
Sua dupla começou a falar. Disse que havia visitado o filho na véspera. Coisa que não fazia há muitos meses, desde que fora morar na rua. Foi bem recebido, o que não esperava. Mas descobriu que o filho estava com AIDS. Tinha traído a esposa. Não se preveniu e acabou doente e sozinho. Ele contou que o filho estava arrasado.
Quando ouviu sua dupla de oração mencionando a palavra AIDS, o espanto foi inevitável.
– O que Deus está fazendo comigo? Por que fui orar justo com ele? – pensou.
O relato sobre a visita ao filho continuava.
– Disse pra ele que a vida segue, que deve se tratar. Disse que a gente sofre com as consequências de nossos erros, mas é preciso ter esperança de que dá para seguir em frente.
Ao mesmo tempo que aquelas palavras simples eram ditadas para o filho, o pai percebia que era um roteiro do que ele próprio precisava fazer. E estar naquela posição novamente de poder de alguma forma ajudar o filho ia aumentando sua esperança.
Do outro lado da conversa, a medida que não se ouvia uma palavra de condenação, um suspiro soprava para longe o medo que o sufocava.
Terminaram os dois orando fervorosamente pelo filho como se pedissem misericórdia por suas próprias vidas.
Marcelo Jaccoud da Costa